quinta-feira, 26 de maio de 2022

Mude Minha/Sua Ideia

 

Por que é tão difícil mudar de ideia? 
Alessandro Galvão
    Essa semana houve no Brasil um acontecimento que deu o que falar. Não, não estou falando da condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Polícia Federal (lá chegaremos) e sim da desclassificação da concorrente Ana Paula do BBB. 😮 Sim falaremos aqui de BBB! Embora eu não acompanhe o programa, de alguma forma suas “notícias” chegam ao meu conhecimento por essa via de informações produtivas e improdutivas que é a internet. Pois bem, a jovem aparentemente era a participante mais popular do programa, mas foi desclassificada após agredir com um tapa um colega de “reality”. A legião de fãs da moça revoltou-se (aparentemente ela foi provocada previamente) e os seus detratores comemoraram a saída. Mesmo após cometer uma agressão, a jornalista não teve sua base de fãs diminuída. Por quê?
    Isso ocorre porque somos tendencialmente dogmáticos. Dogmático é aquele que aceita, sem exame e sem crítica, afirmações sobre as coisas e sobre as idéias. Nós criamos empatia com determinadas pessoas, situações e ideias, e buscamos confirmação desse sentimento onde quer que ele surja. Uma série de experimentos nos anos 60 sugeriu que as pessoas são tendenciosas de forma a confirmar suas crenças pré-existentes. Trabalhos posteriores reinterpretaram esses resultados como uma tendência a testarmos ideias de forma unilateral, focando em uma possibilidade e ignorando alternativas. Como bem explicou Eli Parisier no excelente “O Filtro Invisível”, quando procuramos nos informar sobre um assunto, qualquer informação contrária às nossas ideias é difícil de consumir e chega a ser desagradável. Já as ideias e fatos que confirmam aquilo que concordamos é fácil e agradável, logo passamos cada vez mais tempo lendo sobre aquilo que já acreditamos. Enquanto pensamos que estamos nos informando, na verdade estamos reforçando ideias que já tínhamos.
    É por isso que tanto detratores quanto apoiantes da BBB sentem-se cada vez mais reforçados nas suas opiniões, pois passaram horas lendo acerca daquilo que já pensavam. E isso vale para qualquer ideia ou posição extremada, como por exemplo aquelas emitidas acerca da ida de Lula à PF. Não importa se as pessoas apoiam ou são contrárias ao ex-presidente, pois ambos os grupos ignorarão qualquer relato ou prova contra ou a favor do mesmo, respectivamente, porque não estão preocupados com justiça e sim com confirmação das suas opções. É a chamada polarização em grupo. Um grupo de pessoas com ideias parecidas reforçam-se umas às outras e acabam por ter posições mais radicais do que teriam individualmente. Como só consomem opiniões e notícias que reforçam essas posições, a escalada de radicalização é cada vez maior.
    Esse fenômeno é catalisado pelas redes sociais, que favorecem (e muito) a polarização de ideias, pois é possível ver, por exemplo, quem “curtiu” uma ideia estapafúrdia como a exterminação de 90% da população masculina do mundo (acreditem, isso existe), mas ignorar as milhões de pessoas sensatas que “não curtem” essa ideia. Redes sociais também tornam muito fácil acompanhar pessoas com ideologia parecida e bloquear pessoas com a ideologia contrária. É comum em qualquer discussão polêmica na internet vermos grupos pró e contra se digladiando nas redes sociais, mas há uma parcela considerável de pessoas neutras que não têm opinião formada ou não se interessam em se meter nessa discussão, mas ao não se manifestarem acabam dando a entender que o mundo se divide entre aqueles dois grupos radicais.
    Uma visão interessante sobre o assunto foi trazida por dois pesquisadores da University of Pennsylvania, que escreveram um artigo que procurava entender o porquê de certas peças de conteúdo online (anúncios, vídeos, artigos de notícias) são mais virais do que os outras. Eles viram que o conteúdo mais compartilhado era aquele que despertava emoções positivas, como notícias interessantes, úteis ou com mensagens positivas. Por outro lado notícias com conteúdo triste ou deprimente foi o menos compartilhado. Por isso notícias acerca de problemas que precisam ser combatidos recebem tão pouca atenção. Mas o que eles encontraram como as mais impactantes são as notícias que provocam raiva e indignação, aquelas que levam as pessoas a compartilharem, discutirem e ainda incentivam as respostas do “outro lado”. Se somarmos a isso o fato dos brasileiros serem dos povos pesquisados pelo Digital News Report 2013 (atenção que é um PDF, que consome muitos dados para quem está em rede móvel) os que mais preferem notícias com opinião, mais compartilham essas notícias e mais comentam nas redes sociais, entendemos o porquê de tanta polarização na internet (e consequentemente na sociedade) brasileira. Não é a toa que o brasileiro é o povo mais ativo em número de postagens no Facebook…
    Conclusão? Se você é de qualquer um dos lados em qualquer contenda ideológica (coxinha x petralhas, Android x iOS ou Capitão América x Homem de Ferro): 1) procure ler mais sobre o “outro lado”; 2) questione sempre os argumentos daqueles que pensam como você, 3) peça sempre àqueles que “têm certeza” sobre algo que liste mais dois ou três motivos para que ele pense assim; e 4) nunca aceite um “é assim mesmo” como resposta a uma pergunta objetiva. Mas como falou um sujeito bem mais esperto que a maioria de nós:

(Fonte: medium.com)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Semana de Arte Moderna Brasileira

 Semana de Arte Moderna: 100 anos depois, evento ainda é alvo de debates

Correio inaugura série para debater os 100 anos do modernismo, que serão marcados por exposições, livros, oficinas e seminários








               Nahima Maciel, postado em 02/02/2022 06:00 / atualizado em 02/02/2022

    A Semana de 1922 é um dos marcos simbólicos mais importantes da cultura brasileira do século 20, mas não representa nem o começo nem o ápice de um movimento que atravessou as décadas e até hoje provoca respingos. O evento que colocou o modernismo na pauta do Brasil completa 100 anos com uma série de celebrações. Em 2022, dezenas de livros, exposições e debates estarão disponíveis para os brasileiros que quiserem compreender um pouco mais sobre a formação da cultura moderna nacional. E, para adentrar esse universo, vale partir da própria Semana de 22
    
    Não se sabe exatamente quem foi o mentor do evento que ocupou o Teatro Municipal de São Paulo de 11 e 18 de fevereiro de 1922. Em 1942, Mário de Andrade fez uma palestra na qual insinuou que Di Cavalcanti ou Graça Aranha seriam os idealizadores de um festival no qual todas as artes estariam unidas. E foi mais ou menos isso. Mecenas, escritor e herdeiro de um império da cafeicultura, Paulo Prado também teria uma participação crucial na articulação do evento.

    Durante uma semana, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos, Menotti del Picchia, Victor Brecheret, Sérgio Milliet, Di Cavalcanti e outros artistas e intelectuais se dedicaram a apresentar, declamar, expor e discutir as diretrizes de uma nova arte brasileira. "Numa primeira instância, a Semana significa um conjunto de ações favoráveis a uma revisão geral e a uma proposição nova daquilo que se conhecia com o nome de arte", explica Carlos Silva, professor de história da arte que inaugura, no sábado, a exposição Rastros do Modernismo: 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. "O que se conhecia com o nome de arte é o que era ensinado na academia. O modernismo traz uma nova perspectiva, com a possibilidade de uma estilização maior, deformação mais categórica da figura naturalista, abandono da narrativa representacional."

    O modernismo pretendia romper com heranças europeias e valorizar o que seria uma raiz brasileira na produção cultural. A semana de arte foi apenas um evento. A ideia do modernismo existia muito antes do programa criado por Mário, Oswald e companhia no Teatro Municipal e tomou corpo mesmo muito depois, com o Manifesto antropófago, escrito por Oswald de Andrade e publicado em 1928. No texto, o poeta e escritor sugeria que os artistas brasileiros deglutissem as ideias europeias e as devolvessem na forma de uma arte mais nacional. O movimento tinha um caráter nacionalista, diferente dos modernismos europeus, mais globalistas.

    Hoje, 100 anos depois, críticos, acadêmicos e pesquisadores preferem olhar para o movimento com uma visão crítica. A artista e educadora Yana Tamayo, residente em Brasília, lembra que é impossível dissociar a Semana de 22 do contexto político da época. O evento nasceu no seio de uma elite recém-saída do século 19, no qual a escravidão e o colonialismo eram realidades violentas. Herdeiros de fazendas e de fortunas provenientes do mundo rural, os intelectuais que fizeram a Semana de 22 também tiveram apoio estatal num cenário no qual ideias nacionalistas podiam ser bastante úteis. "Essa necessidade de criar um marco histórico estratégico simbólico era uma estratégia intelectual para poder produzir uma independência cultural, que era um interesse das elites. Havia uma tensão política, estávamos vendo o nascimento dos estados-nações na Europa, já tinha havido a Primeira Guerra", lembra Yana, que prepara uma série de oficinas sobre o tema para este mês, na Caixa. "Essa necessidade de se criar um manifesto que marca essa independência cultural nasce de uma pressão política e de algo que está acontecendo no resto da América. Vários movimentos eclodem, muito diferentes do que foi no Brasil, com um processo de busca por uma identidade que pudesse criar vínculos simbólicos entre as pessoas".
    
    Temas como o colonialismo, a escravidão, a opressão indígena e a violência que está na base da formação da sociedade brasileira não chegaram a ser tratados pelos modernistas, que se diziam contra o passado, o que, de certa forma, implicava em negação da violência que constitui a formação nacional. "Era complicado para essas pessoas entenderem sua participação nos eixos estruturais mais complicados da nossa história. Eles não vão bater de frente com a estrutura. O abolicionismo não aparece na produção", aponta Yana. "A narrativa moderna reitera nossas narrativas coloniais para não lidar com o problema que está na nossa raiz, que é a violência". 



    
    Outro ponto importante para compreender a Semana de 22 é ter em mente a existência de diversos modernismos antes e depois do evento. "O desejo de modernização artística e cultural já estava implantado no Brasil quando o pessoal de 22 chegou e se apossou dessa ideia", explica Rafael Cardoso, autor de Modernidade em preto e branco, lançado pela Companhia das Letras. "Os artistas eruditos se apossaram de um processo que já estava francamente deflagrado na cultura midiática popular na década de 1910".

    Cardoso lembra que a Semana de 22 foi declarada um fracasso pelo próprio Mário de Andrade, que renegou o movimento. "Foi um ato extremamente corajoso, o Mário foi uma figura extraordinária", acredita. "Em 1942, a Semana estava morta e enterrada por ele, que era líder do movimento. A Semana foi reinventada a partir de 1945. E essa reinvenção não tem nada a ver com 1922 e tem tudo a ver com o Estado Novo, com a redemocratização."

    O mito da semana, segundo o pesquisador, foi criado entre 1945 e 1972, quando se celebrou o cinquentenário do evento. "Virou uma verdade inquestionável. As pessoas passaram a tratar a semana como um fenômeno que transformou a história do Brasil. Mas a semana mal repercutiu na imprensa fora de São Paulo, não teve o impacto que a historiografia atribui a ela. Ela foi resgatada imediatamente após a morte de Mário de Andrade", diz Cardoso.

    Para a pesquisadora Verônica Stigger, que lança, em parceria com Eduardo Sterzi, um livro sobre o impacto do modernismo ao longo do século 20, a importância da Semana de 22 está nas conexões geradas entre os artistas. "Havia, claro, expressões modernas em várias partes do país, mas o importante da Semana foi o encontro, que é o fazer encontrar esses artistas. É um momento em que se reúnem não só vários artistas, mas várias artes, arquitetura, desenho, pintura, música, literatura, a gente tem também essa junção de várias artes", diz.